Nascido em colégio, Titãs celebra 40 anos como ícone do rock paulistano
O grupo lança um disco de músicas inéditas e volta aos palcos em uma turnê que estreia em São Paulo
Entre os três integrantes atuais dos Titãs tem um carioca de nascença (Sérgio Britto, 62), outro de residência (Tony Bellotto, 62) e um terceiro que se rendeu à brisa do Rio de Janeiro por dez anos (Branco Mello, 60). Ainda assim, a banda nunca deixou de ser uma autêntica criatura paulistana.
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Quando se pensa em rock de São Paulo, os Titãs, assim como Rita Lee, são “a sua mais completa tradução” — para citar o famoso verso de Caetano Veloso escrito em 1978, quando os futuros roqueiros eram apenas jovens alunos do Colégio Equipe, na Bela Vista.
“Sempre fomos identificados com São Paulo, seja pela maneira de se vestir, se comportar — ou, claro, pelo sotaque. Ao mesmo tempo, sempre falamos para o Brasil. É algo que nem sempre acontece com artistas paulistanos, com honrosas exceções como a Rita”, diz Britto, atualmente vizinho do Parque Ibirapuera, que costuma frequentar quando não perambula pelos passeios culturais da cidade, como o Masp e a CASACOR.
Prova de que a afirmação é verdadeira, a frase foi dita diretamente de Juazeiro do Norte, no Ceará, onde os três músicos, acompanhados dos “titânicos agregados” Beto Lee (filho de Rita) e Mário Fabre, abriram a Mostra Cariri de Culturas, no último dia 26. “O primeiro release (texto de divulgação) dos Titãs para a imprensa, em 1982, dizia: ‘Titãs, um conjunto nacional formado por nove paulistas’”, confirma Branco.
“São Paulo sempre esteve presente na nossa maneira de fazer música”, completa o palmeirense da Vila Madalena, que tem como passatempo assistir aos jogos do verdão no Allianz Parque — e se recupera da retirada de um tumor na hipofaringe, feita no começo do ano.
Os quarenta anos dos Titãs trazem novidades: Olho Furta-Cor, um disco de músicas inéditas produzido por Rick Bonadio e Sergio Fouad, lançado nesta sexta-feira (2).
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“No voo (para o Ceará), escutei o álbum inteiro. É interessante como ele começa com o canto dos índios do Xingu, em Apocalipse Só, e fecha com o barulho urbano da cidade, na música São Paulo 1. É, novamente, uma visão de São Paulo para o Brasil”, afirma Bellotto, que mora no Rio de Janeiro há 32 anos, mas passa boa parte do tempo na ponte aérea entre sua cobertura em Ipanema e o Hotel Unique, no Jardins.
Nas quatro décadas de estrada, houve sete formações dos Titãs. A banda começou com nove integrantes: além do trio remanescente, tinha Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer (1961-2001), Nando Reis, Paulo Miklos, André Jung e Ciro Pessoa (1957-2020). Os dois últimos saíram antes da chegada do baterista Charles Gavin, em 1985, que completou a formação clássica.
O berço do populoso conjunto — que mal cabia no palco — tem endereço conhecido: o Colégio Equipe, na Rua Martiniano de Carvalho, colado à Basílica Nossa Senhora do Carmo.
“Eles tinham personalidades muito diferentes daquilo que mostravam no palco. Eram introspectivos, até tímidos, principalmente o Arnaldo e o Britto. O Branco também era um menino tranquilo. E eram apaixonados por música, o que me ajudava muito”, conta Serginho Groisman, 72, então responsável pela programação cultural do colégio, função que exerceu entre 1970 e 1980.
“Nenhum deles era aquele cara que chegava e arrasava com as palavras, aquela pessoa extrovertida. Viravam bichos no palco mesmo”, relembra Serginho.
Quase todos os músicos que participaram da banda estudaram no Equipe — as exceções são somente Charles e Tony, que viveu a adolescência em Assis, no interior paulista. A talentosa geração de estudantes do colégio contava ainda com o diretor Cao Hamburger, o músico Fernando Salem e o pintor Paulo Monteiro.
Para completar, a turma convivia com uma finíssima seleção de artistas que Groisman levava ao palco da escola nos fins de semana: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Novos Baianos, Cartola, Clementina de Jesus e outros músicos de peso — que o próprio Groisman buscava antes dos shows em um Fusca branco.
“Por causa da ditadura, as pessoas não tinham muita possibilidade de se manifestar sem ser perseguidas. Mas o Equipe era um espaço aberto e livre. Ficou conhecido como ‘a ilha da liberdade’”, conta Renata Druck, ex-aluna e uma das diretoras do documentário Educar e Resistir, sobre os cinquenta anos do colégio, que será lançado na quarta-feira (7) no YouTube.
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Daquela efervescência cultural pipocaram os projetos musicais que levaram ao embrião da banda. Eram os grupos Os Camarões, Trio Mamão e as Mamonetes, Maldade e Aguilar & Banda Performática, dos quais emergiu o inédito noneto Titãs do Iê-Iê.
Ao meio-dia de uma quarta-feira de 1981, a trupe apresentou meia dúzia de músicas na Biblioteca Mário de Andrade, no Centro. “A gente estava se formando, nem existíamos como banda (o que aconteceria no ano seguinte). Para ser sincero, nem sei como conseguimos tocar ali, estávamos terminando o colegial ainda”, diz Britto.
O próximo salto foi o lançamento do disco Titãs, em 1984, que emplacou o primeiro sucesso da banda: Sonífera Ilha, composta por Branco Mello, Tony Bellotto, Marcelo Fromer, Ciro Pessoa e o artista plástico Carlos Barmak.
“Quando conseguimos fazer a música tocar nas rádios, começamos a participar do circuito de danceterias, que tinha um público grande. Mas éramos uma espécie de patinho feio. Tínhamos só uma música conhecida, tocávamos um repertório curto. Em geral, o público não estava ali exatamente para nos ver”, relembra Britto.
“Íamos ao Madame Satã, ao Rádio Clube, ao Radar Tantã, a casas gays, ao Village Station. Eram muitos lugares, em bairros diferentes, mas ficamos mais conhecidos onde andávamos mais, como os Jardins e Pinheiros”, diz Bellotto.
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A cena musical dos anos 80 — década do rock no país — tinha sotaques diferentes: no Rio, o Barão Vermelho, os Paralamas do Sucesso e a Blitz; em Brasília, Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial. Na Pauliceia, os Titãs dividiam os holofotes com Ultraje a Rigor e Ira!.
“Talvez o rock que mais demorou para vingar tenha sido o paulistano. O Ultraje havia mostrado o nosso sotaque bem claramente, mas acho que a gente levou isso um passo adiante, porque musicalmente somos mais barulhentos e agressivos — como é a cidade para quem não é daqui”, avalia Sérgio.
A virada definitiva aconteceu no — barulhento — disco Cabeça Dinossauro, de 1986. O álbum trouxe hinos do rock nacional como Homem Primata e Polícia e rendeu o primeiro disco de ouro da banda. “É interessante que o Cabeça Dinossauro ‘aconteceu’ muito rapidamente em São Paulo. Assim que lançamos, fizemos dois shows no Projeto SP, na Augusta, lotados, com as pessoas cantando as músicas de cabo a rabo. No Rio, tocamos no Morro da Urca e tinha trinta pessoas”, diz Britto.
O álbum marcou uma geração de jovens no país. “Foi um impacto enorme, uma variedade de estilos, uma sonoridade única, uma mistura de bateria eletrônica e acústica, de muitas guitarras. Sou fã dos Titãs desde garoto”, conta Rick Bonadio, 53.
O produtor, que catapultou ao sucesso bandas paulistas como Mamonas Assassinas e Charlie Brown Jr., nasceu e cresceu no bairro de Santana, na Zona Norte. Ali mantém os estúdios da Midas Music, que deram vida ao novo disco dos Titãs — é a segunda parceria dos veteranos, feita pela primeira vez no álbum Sacos Plásticos (2009).
“Por ser fã, tenho um senso de responsabilidade. Busquei não alterar os arranjos do álbum. Pensava naquilo que eu gostaria de ouvir dos Titãs”, diz Bonadio. O tempo mudou a escalação — Miklos, Nando e Arnaldo têm lançado discos em carreiras-solo —, mas não a sonoridade da banda.
“Olho Furta-Cor reverbera o som clássico do grupo, sem deixar de apontar para o futuro”, diz Branco Mello, que teve de se distanciar das gravações após a volta de um tumor na faringe, diagnosticado e tratado pela primeira vez em 2018, o que o levou a duas cirurgias em novembro e fevereiro passados. A voz dele foi gravada antes, durante a pré-produção, no estúdio que o músico tem em casa.
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O título do álbum foi pinçado de um poema do concretista paulistano Haroldo de Campos (1929-2003), musicado por Sérgio Britto na faixa São Paulo 3 (duas músicas do disco levam o nome da cidade). “É uma não cor que contém todas as cores, e que representa bem o disco e a própria São Paulo”, conta Britto.
“Nosso som tem a ver umbilicalmente com a imagem e a dinâmica da cidade”, completa Bellotto, que afirma não conseguir passar mais de mês longe da cidade natal.
Com essa história e essa sonoridade, os Titãs só poderiam lançar o disco na capital paulista. O show será no próximo sábado (10), no Tokio Marine Hall.
“Trago São Paulo dentro de mim, onde quer que eu esteja. Aqueles anos que passamos na cidade, descobrindo nosso som, foram duros… A gente fazia sacrifícios para levar adiante a música que criamos, mas sentíamos que era algo forte”, lembra Bellotto. “É um tempo que nunca sairá de mim, e levarei as mil faces de São Paulo comigo para sempre.”
Show do disco Olho Furta-Cor. 16 anos. Tokio Marine Hall. Rua Bragança Paulista, 1281, Chácara Santo Antônio, ☎ 5646- 2153. → Sáb. (10), 22h. R$ 120,00 a R$ 280,00. tokiomarinehall.com.br.
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Publicado em VEJA São Paulo de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805