A era digital chega aos tribunais
Com novo sistema eletrônico implantado em vários fóruns da cidade, alguns processos podem ser resolvidos em um tempo até 60% menor
Quando o casal de analistas de sistemas Leopoldo Faria Lima e Camila Souza comprou, em 2011, uma casa em um condomínio fechado em Cotia, a 37 quilômetros da capital, a ideia era marcar a data do casamento assim que o imóvel fosse entregue. Segundo a construtora, a Tecnisa, tudo ficaria pronto em agosto de 2012. Até hoje, porém, as obras continuam.
Irritados com o atraso, os noivos processaram a empresa por danos morais e materiais.“Pensamos que levaríamos mais de um ano para resolver essa pendência, mas em três meses tínhamos a sentença do juiz em mãos”, conta Lima. De acordo com a decisão em primeira instância, a Tecnisa deve lhes pagar uma indenização de cerca de 24 000 reais. A companhia vai recorrer da decisão.
O caso foi julgado no Fórum João Mendes, um dos beneficiados pela nova ação que vem sendo implantada aos poucos na capital: a digitalização dos processos. Batizado de Plano de Unificação, Modernização e Alinhamento (Puma), o projeto do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) pretende acabar com os processos em papel em 198 varas das 279 existentes na cidade até o primeiro trimestre de 2014. “Estimamos que a economia de tempo gire em torno de 50% a 60%”, calcula Fernando Tasso, juiz assessor da área de tecnologiada informação do TJ-SP.
Em desenvolvimento desde 2006, o plano de digitalização do TJ chegou em fevereiro a uma de suas fases mais importantes: digitalizar 45 varas cíveis doFórum João Mendes, o maior do país.Só por elas tramitam cerca de 390 000 processos. Desde então, todas as novas causas dão entrada ali pela internet. As antigas continuarão correndo no modo convencional. Além do trabalho que está sendo realizado no João Mendes, a capital conta com dois fóruns regionais que nasceram totalmente digitais: o da Nossa Senhora do Ó, em 2007, e o do Butantã, em 2011.
Com o sistema, uma série de procedimentos manuais que atrasavam o andamento de uma ação fica eliminada (veja o quadro ao lado). Etapas burocráticas, como etiquetar uma petição ou designar um funcionário para distribuir os processos no prédio, deixam de existir. Para acompanhar um caso, as partes interessadas não precisam mais ir até o local para ter acesso à papelada.
O padre Manoel Conceição Quinta, por exemplo, viu antes mesmo de sua advogada no site do TJ a decisão do juiz ao seu pedido de uma liminar contra o seu plano de saúde, em março. Quinta pleiteava autorização para fazer uma cirurgia bariátrica, que estava sendo negada. O processo começou em 7 de março, a decisão saiu quatro dias úteis depois e o padre foi operado no dia 19 do mesmo mês. “Eu entrava toda hora na internet para ver se havia alguma novidade”, conta o sacerdote.
Para Gustavo Santini Teodoro, também juiz assessor do TJ-SP, o processo acaba ganhando muito mais transparência. “As partes não dependem maisdo advogado para ficar a par do que está acontecendo”, afirma. Até o fim do ano, outras 37 varas da capital devem ser digitalizadas, sobretudo nas áreas de Família e de Fazenda Pública. Em 2014, será a vez dos outros fóruns regionais.
Para armazenar tamanho banco de dados, foram criados cinco data centers, cujos endereços, por medidas de segurança, são mantidos sob sigilo. “Essa é uma das maiores transformações pela qual o Judiciário já passou”, avalia Marcos da Costa, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo(OAB-SP). “Não é apenas a troca do papel pelo virtual, mas uma mudança de cultura.”
A OAB-SP envolveu-se em uma espécie de queda de braço com o TJ quando o cronograma das operações digitais no João Mendes foi anunciado, em outubro do ano passado, com início previsto para dezembro. Para a entidade,o tempo de adaptação era muito curto. Por isso, seus dirigentes, ao lado de outros líderes da classe, entraram com uma ação no Conselho Nacional de Justiça e conseguiram postergar o projeto para fevereiro. Já foram abertos cursos para advogados interessados em se inteirar dos novos procedimentos. Afinal, em um futuro próximo, promete-se, nenhum profissional da área poderá justificar a lentidão da Justiça pela infraestrutura arcaica.
Caminho mais curto
As vantagens do modelo eletrônico em comparação ao atual
No papel
1. O advogado precisa ir pessoalmente ao fórum para entregar a petição e receber o número do processo
2. Em um setor especial, é feito o cadastro e as petições são separadas de acordo com a vara responsável
3. Um funcionário recolhe os documentos e os distribui manualmente pelos cartórios locais
4. No cartório, outro funcionário faz a autuação do processo: coloca uma capa de papelão, etiqueta, numera e rubrica todas as folhas
5. O processo segue para o juiz
Tempo: de cinco a vinte dias úteis*
No digital
1. O advogado acessa o site do Tribunal de Justiça (www.tjsp.jus.br), faz o upload de sua petição e assina com sua certificação digital
2. Automaticamente o documento entra no banco de dados do TJ e fica à espera de que um funcionário encaminhe o documento on-line à vara responsável
3. O arquivo digital segue para o cartório onde o funcionário analisa se está tudo certo com o documento
4. De lá, já entra para a fila de despachos do juiz
Tempo: de um a cinco dias úteis*
* A variação depende do volume de processos de cada cartório ou vara