Ao identificar o livrinho logo ali em frente à caixa registradora, na hora de pagar, no espaço normalmente reservado a coleções de fotos de gatinhos e às melhores frases de amor de Shakespeare, não acreditei. Só podia ser uma pegadinha. Olhei para os lados para verificar se alguém filmava a cena. Não era possível. Esbocei uma risada. Há anos procuro o primeiro livro de ensaios do linguista húngaro Paulo Rónai, Como Aprendi o Português e Outras Aventuras. Busquei nos sebos de Pinheiros e do centro, perguntei em livrarias do Rio de Janeiro. E nada, necas, nunca achei o título. Fora de catálogo. Era sempre a resposta.
A urgência da minha busca era dupla. Perdera o exemplar lá de casa. Não sei onde foi parar. Sumiu. Pior: não era meu! Fora emprestado, com recomendações de como e quando deveria ser devolvido, da linguista e amiga Iza Garcia, professora na PUC de São Paulo. Isso há anos. Ela fez questão de escrever, à época, o nome dela no frontispício. Mas de nada adiantou. Amo esse livro. Escrevi a respeito dele mais de uma vez. Cito-o com frequência. A primeira crônica da obra é, na minha modesta opinião, uma das melhores e mais carinhosas já publicadas no Brasil. Poucos entendem com tamanha delicadeza a língua tal como é praticada no nosso país. O texto do Paulo Rónai se apoia, ainda, em pequenas expressões de prazer. Delicia-se ao escrever, por exemplo, “tive de dar tratos à bola…” ao relatar as contorções linguísticas necessárias para verter a palavra seringueiro para o húngaro. Em seu país, explica, não existe essa profissão tão cara à história e à identidade do Brasil. Comprei logo dois exemplares ao chegar à caixa da livraria. Um para mim e outro para a Iza. Comecei a relê-lo logo que voltei para casa.
Rónai, que nasceu em Budapeste, aprende a escrever em português depois de adulto. Por isso, não se sente confortável com características do idioma aceitas sem pestanejar por falantes nativos. “Não me conformava, em particular”, escreve, “com o gênero feminino da palavra criança. Nem queria admitir que nomes tão franceses como chapéu ou paletó pudessem ser incorporados ao português sem mais nem menos.”
Isso Rónai escreve na década de 40, depois de fugir do nazismo e vir para o Brasil, onde vive até a morte, em 1992. Certas coisas não mudam, reflito, ao reler a crônica do húngaro com um prazer maior do que tive na primeira vez. Dia desses meu caçula, Samuel, de 10 anos, me perguntou como era possível que eu, um adulto, errasse o gênero das palavras. Ele sabe que sou gringo. Mas não se conforma com o fato de eu ter pedido para trocar “a gás” da cozinha. “É o gás, papai”, frisa. Explico que aprendi o português depois de velho e que o gênero das palavras é mais facilmente decorado quando criança. Samuel desconfia da explicação e, por tabela, da minha capacidade intelectual. Acha divertido também quando pergunto como se chamam em português os pequenos “minions”, criaturas inventadas para o filme americano Meu Malvado Favorito. “Minions, né, papai”, diz o Samuel. Algumas palavras passam direto do inglês para o português. Como acontecia, outrora, com outros idiomas.