O problema do frio em São Paulo é que ele dura pouco, penso enquanto aguardo minha vez na fila de uma cafeteria na Rua Augusta, nos Jardins. Lá fora o movimento é pequeno, pelo menos para os padrões da região. Faz 8 graus, quiçá 7. O meu povo, do lado de dentro, busca alívio, bebidas quentes. Doces.
Admiro o estilo de cada um com a discrição possível. Ninguém gosta tanto de um gorro quanto o paulistano, ocorre-me. Há um acúmulo de peças de vestimenta em desfile ali. Cada um abre de manhã a gaveta para ver o que ficou do ano passado, imagino. Luvas, cachecóis e outras peças do gênero dão o tom. Não são combinadas. Os sinais do improviso são evidentes, até para um sem-noção da moda como eu. Acho simpático. Costuma haver um toque andino, algo que sobrou de uma viagem ao Peru. Mas vejo também chapéus no estilo de Indiana Jones.
Parece que todos foram pegos de surpresa. Dormiram em um país tropical e acordaram na Antártica. O jeito foi juntar tudo o que havia de roupa de inverno e sair para buscar uma bebida quente. Tal como outros estrangeiros, coloco São Paulo entre as cidades mais frias do… mundo. Há uma combinação de altitude com umidade, fora o concreto e o aço que se juntam às temperaturas baixas e à falta absoluta de preparo para a mudança climática. Dá nisso. Passamos muito frio aqui. Ficamos próximos do limite suportável. Mais um pouco e todo mundo sai e vai morar no Recife ou em Miami.
É um frio que não pode ser medido ainda pela ciência. Não se trata de sensação térmica. Sou contra essa noção, diga-se de passagem, que me parece apenas pretensamente científica, um jeito artificial de abaixar o número da temperatura medida. É como dizer que o placar do jogo foi 3 a 1, mas se somar os escanteios dá 16 a 4. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como diria meu amigo Marcos Sismotto, filósofo popular da escola de Vicente Matheus, aquele folclórico ex-presidente corintiano.
Não é preciso apelar para a noção de sensação térmica. Todo mundo sabe que 8 graus em São Paulo é menos do que a mesma temperatura em Nova York, por exemplo. Nesse sentido, é como jogar futebol em La Paz. Ganhar na altitude boliviana de 2 a 0, digamos, é um resultado mais expressivo do que em outros lugares. Não é necessário mudar o placar para entender isso.
Tamanho frio resulta da nossa falta de preparo, reflito ali mesmo na fila do café, já mais próximo do caixa. E isso não vai mudar. Como dizia, o problema do frio em São Paulo é que ele dura pouco. Nunca vamos tomar providências. Ele passa, graças a Deus. Nem sequer consigo achar meu casacão dos tempos em que morei em Washington, onde neva. Vesti-o pela última vez há vinte anos, durante uma visita invernal a São Paulo. Fui logo apelidado por um colega de “o homem que veio do frio”.O senso de humor talvez seja nossa melhor arma no confronto com a queda do mercúrio, concluo ao chegar ao caixa. O senso de humor e um chocolate quente.
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