Os consultórios dos meus dois dentistas ficam lá perto do estádio do Palmeiras. São dois por motivos odontológicos.Nada tem a ver com o futebol, infelizmente, embora um seja palmeirense e o outro, corintiano, e a gente converse bastante sobre o assunto quando me permitem abrir a boca. Menciono o estádio do Verdão apenas para você se localizar. Minha casa é próxima do outro extremo da Avenida Sumaré, do lado do cemitério de Pinheiros. A atitude que se poderia esperar de um pedestrianista meio militante como eu é que fosse ao dentista de ônibus.
É muito fácil. Basta atravessar a via, esperar um pouco no ponto e entrar no primeiro busão que aparecer. Todos passam perto da Rua Turiassu, onde desço, seja para ir ao doutor Andrés (o corintiano), seja para ir ao doutor Cremona (o palmeirense). Eu poderia até fazer o trajeto todo a pé, mas é longe; ou de bicicleta (nesse caso, porém, a volta, uma subida só, seria puxada). O ônibus é a solução lógica. Mas na quinta-feira passada comecei a ficar com pena de mim mesmo. Ir ao dentista já não é o melhor programa do mundo, convenhamos, ainda mais quando se espera no ponto debaixo de um sol escaldante para chegar ao consultório. Fazia mais de 30 graus no dia, por baixo. Os minutos da espera vão se derretendo feito o famoso quadro de Salvador Dalí.
Pensei em chamar um táxi, afinal, ninguém é de ferro, até que apareceu o 209-P Cachoeirinha. Ufa! É um ônibus cinza, duplo, novo e gigante, e serve para ir ao dentista, como todos os outros. Faço o sinal. Ele encosta e a porta se abre. Entro já suado no coletivo e sou recebido por um ar refrigerado, geladinho, geladinho. Geladinho mesmo. Juro. Sem exagero. Não acredito. Uma delícia. Parece os melhores vagões do metrô.
A surpresa arranca de mim a frase espontânea (“Que gostoso!”), dita para ninguém, sem querer, mas em voz bem alta. Provoca, na cara do motorista, um sorriso irônico. Ainda bem que estou sem o meu filho caçula. Ele morreria de vergonha do velho. Enquanto procuro um assento, tento detectar nos outros passageiros sinais de reconhecimento do nível de conforto ali dentro, mas eles estão ocupados com seus livros e telefones celulares. A diferença entre este e os ônibus antigos mas ainda em circulação?
É a TV em cores diante do aparelho em preto e branco. Descubro nos dias seguintes que o meu entusiasmo é compartilhado por minha filha Maria e minha professora de ginástica, Cris. Esta chega a me mostrar uma página na internet sobre os ônibus novos para provar que eles possuem, sim senhor, sinal de wi-fi. A conclusão é que alguns têm e outros não. São inúmeros carros do tipo.
Eles circulam por vários pontos da capital. Além do ar-condicionado, todos trazem tomadas para recarregar o celular. Não há futuro para São Paulo nem para nenhuma cidade grande sem transporte coletivo de qualidade. O ônibus moderno é um passo concreto nessa direção. Daí o meu entusiasmo. Não vou dizer que estou ansioso para voltar ao dentista na semana que vem. Seria um exagero. Mas não entrarei em qualquer veículo. Vou esperar o 209-P Cachoeirinha. Quero andar com estilo.