Toda a história das migrações humanas está aqui, penso, ao entrar no trem na Praça da República, rumo à Estação Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. Da nossa saída da África 60 000 anos atrás (mais ou menos) até a chegada, bem depois, no Brasil. O vagão carrega muita gente, apesar do feriado de Corpus Christi. Há baixinhos, magros, gordos e altões, brancos, loiros e negros, pardos, asiáticos, senhores com bengalas, senhoras orgulhosas dos seus casaquinhos estampados em padrões de guepardo, jovens com olhos pintados à Amy Winehouse, malas, sacolas, guarda-chuvas, crianças muito bonitinhas, e alguns que pareciam ter embarcado no Oriente Médio. Nosso traçado foi montado no Google Maps pelo meu caçula, Samuel, de 10 anos. Ele volta para a segunda visita ao novo estádio do Sport Club Corinthians Paulista, que será o palco de abertura da Copa do Mundo em 2014. É a minha primeira vez.
De metrô é tranquilo: Itaquera fica a 22,5 quilômetros do centro da cidade. Demoramos pouco mais de meia hora, apenas, para chegar. Não somos os únicos a aproveitar o feriado para fiscalizar a obra. Antes mesmo de chegar à estação, o estádio aparece e uma mãe, acompanhada de três filhos pequenos, deixa escapar um grito de “Vai, Corinthians!”. Tento disfarçar o susto. Mas sorrio, depois, diante de tamanho entusiasmo. Os acessos à obra são informais e, neste dia, estão cheios de lama. Devia ter calçado minhas botas, penso. Seguimos os peregrinos. São de fácil identificação. Carregam bandeiras com o distintivo do time.
Após uma caminhada confusa, em que passamos pela faculdade Fatec e pelo pátio do metrô, chegamos ao outro lado da obra. No local, há um pequeno acampamento em uma colina, marcada por camisetas, toalhas e pipas penduradas em um varal montado por vendedores. O lugar, elevado, permite uma vista do estádio. É espetacular. Todos ali se entusiasmam. Os torcedores formam um grupo de pessoas curiosas e simpáticas. Trocam impressões entre si. Há alguns casais que nos pedem para tirar fotos deles abraçados e felizes. Mas os meus tipos favoritos, ali na colina, são os senhores de certa idade. Cada um veio sozinho. São três ou quatro neste dia. Usam chapéus de décadas passadas sem ironia ou metalinguagem. Nenhum boné, claro. Inspecionam a construção com a seriedade dos amadores. Por um instante me ocorreu a ideia maluca de que talvez sejam fantasmas de corintianos de outras épocas. Voltaram à terra para acompanhar as obras do tão sonhado estádio do clube — personagens de crônicas esportivas ou de uma peça de teatro de Nelson Rodrigues. Mas esses são devaneios literários meus, logo reconheço.
Sou fã do Estádio do Pacaembu, oficialmente chamado de Paulo Machado de Carvalho. Deve ser dos pouquíssimos que nos restam em estilo art déco no mundo. Não conheço outro igual. É um marco arquitetônico em São Paulo e no mundo dos esportes. Fazer ali dentro o Museu do Futebol foi um presente para a cidade. Por isso, não me entusiasmei com a notícia da construção do Itaquerão. Além de ficar longe, parecia-me ser desnecessário. Mas depois de vê-lo mudei de opinião. Imagine na Copa!
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