Feirão na Mooca tem 1 milhão de discos de vinil à venda
O evento atrai novos e antigos fãs dos bolachões, vendidos a 5 reais (com direito a um açaí e outro LP de graça)
À primeira vista, parece até cilada. Um galpão de 1 000 metros quadrados com corredores estreitos, entulhado de discos, quadros e quinquilharias. O pó é tanto que quem se aventura pelo espaço deve usar luvas e máscaras cirúrgicas, distribuídas na entrada. Os fãs de LPs parecem nem ligar. Trata-se de um negócio da China. No feirão realizado na Mooca desde março, 1 milhão de discos estão à venda por 5 reais cada um. Como se não bastasse, o valor dá direito a outro bolachão de graça, retirado em um setor especial, além de um pote de açaí na lanchonete no outro lado da rua. Nas compras acima de 100 reais, ganha-se um quadro. Quem tiver doado sangue e aparecer com o comprovante leva para casa dez álbuns. A partir deste fim de semana, basta visitar o espaço para ser presenteado com dois livros ou gibis.
Na babilônia musical, a desordem faz parte do charme do lugar. Não existe separação por gênero ou artista. Ali, vale a prática do garimpo. Há quem passe horas admirando as capas das obras, analisando a lista de músicas. No meio de tanta coisa, existe muita porcaria, que inclui bandas das quais ninguém nunca ouviu falar e vinis riscados ou mofados — uma vitrola fica à disposição para testar os produtos. O grande momento se dá no encontro de tesouros, em meio a tantos Robertos Carlos e Xuxas. Nessas horas, deve-se segurar com gosto o achado ou ele pode facilmente ser afanado por outra pessoa. Bobeou, dançou.
O analista de sistemas Claudinei Junior se encantou tanto com a proposta do evento que apareceu por lá mesmo sem ter toca-discos. “Quero comprar um, então já estou formando meu acervo”, justificou. Ele adquiriu catorze álbuns de jazz e samba e estava acompanhado da namorada, Juliana Aguiar, que selecionou para a mãe gravações do Trio Parada Dura e de Altemar Dutra. Também zanzava pelas caixas o vendedor Samuel Rodrigues, frequentador assíduo. Ele procurava principalmente por sertanejo e forró. “Compro por 5 reaisaqui e vendo por até 80 reais na internet”, garante. Entre outros clientes satisfeitos, houve quem levasse mais de 1 000 itens. Há ainda aqueles que saem de lá exultantes, encontrando a pérola que procuravam há décadas.
Muito do sucesso da feira se deve à volta da moda do vinil. Percebendo a onda, o paulistano Manoel Jorge Dias, de 59 anos, pensou em criar a atração como uma boa estratégia para desovar seu acervo. Ele é um serial colecionador. A mania começou em 2000, quando viu um anúncio de um leilão da Avon no jornal de domingo. Arrematou um lote de cinco carretas cheias de roupas de cama, lingeries e trajes femininos. “Foi uma burrada, não tinha lugar para guardar as coisas e precisei abrir uma loja”, lembra. Foi aí que alugou seu primeiro galpão na Mooca. Em vez de vender, passou a fazer trocas por outros objetos. Hoje, tem três sebos no bairro, com um acervo de 1,2 milhão de vinis, 300 000 compactos, 5 000 quadros, 200 000 livros… Já fizeram parte de sua coleção, por exemplo, o primeiro LP de Roberto Carlos. A gravação raríssima, Louco por Você, de 1961, acabou vendida por 7 000 reais. “Normalmente, porém, não tinha lucro com isso”, diz. “Com o feirão, estou ganhando mais do que nunca.” Dias toca os depósitos em paralelo com a carreira de engenheiro especialista em implosões. Foi responsável por mais de 100 delas, como a do presídio do Carandiru e a do edifício Palace II, no Rio de Janeiro.
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Sua ideia inicial era montar uma feira anual de vinis. O sucesso da estreia foi tanto que ele resolveu continuar. Fez mais uma edição, na qual vendeu 9 000 vinis graças à divulgação na internet — o Facebook da atração conta hoje com mais de 50 000 curtidas. O negócio, então, se estabeleceu todo fim de semana. Nos outros dias, o espaço da Rua da Mooca fica aberto normalmente — o preço dos produtos sobe para 10 reais. Dias trabalha agora na reforma do Casarão do Vinil, localizado em um de seus galpões alugados, que será um misto de espaço cultural e loja de itens mais caros e importados, com inauguração prevista para o fim de julho. “Quero transformar a Mooca na capital do vinil”, afirma.
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