“Eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar, há um adeus em cada gesto, em cada olhar, mas nós não temos é coragem de falar.”
Foi assim, de forma perfeita, que a cantora e compositora Dolores Duran descreveu, numa canção lançada há exatamente 52 anos, uma das circunstâncias mais difíceis da vida dos casais, a separação. Juntar é um momento bonito, adornado de esperanças, de renúncia ao individualismo, de abertura de espaços, generosidades, delicadezas, desejo; se parar é o oposto, divide o movimento que era empurrar para a frente e cada um puxa para um lado, os dois são roçados por incertezas, dormem com a desilusão, acordam com a dúvida, almoçam com o desgosto, jantam com a culpa.
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Só o grosso total se sente bem na hora da separação. Não chega ao momento descrito na canção, quando, por delicadeza ou incerteza, falta coragem de falar. Busca mulheres transitórias, para exercer sua prepotência e poder dizer: “Se manda que você não está agradando”. Apresentaram-me um grosso desses, que se vangloria de só conversar com mulher para trato ou destrato por intermédio de seu advogado. Quando a “companhia” (ele nunca diz “companheira”) passa no teste da primeira semana, entra o advogado e explica: se a relação durar um mês, ela tem direito a um anel de brilhante; três meses, a um Fiesta; um ano, a um BMW; cinco anos, à metade do que está no nome dele, que não é muito. Aceita? Assina. Nunca houve caso de BMW, é outra bravata dele, entre risadas.
Esqueçamos os grossos. Pessoas sensíveis e corretas também podem desamar, ou o amor pode desviar o olhar. Se a parte física do amor acaba e fica só a amizade segurando a relação, o amor pode ter olhos para outro amor — e aí, vai calar? São as pessoas que celebram compromissos e juras; o amor, eterno enquanto dura, nem sempre assina embaixo. O amor se compromete é com a atenção, a gentileza, o bom humor, o carinho, o calor, o desejo satisfeito, a mesa essencial, a solidariedade, o capricho na relação. Tudo isso pode faltar, e então os olhos procuram outros olhares.
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Chega a hora de falar, o momento de um dos dois arranjar outro pouso. Se a casa for um esforço dos dois, um penoso entendimento decidirá o pouso de cada um. Havendo filhos, não há o que discutir, eles ficam; um dos pais se torna visita, por mais que se tenha aplicado para construir aquilo.
Há pessoas difíceis de deixar, mesmo entre as corretas. Sabem que já não são felizes, mas a perspectiva de solidão as assusta. Exigem uma explicação, como se a insatisfação mútua não bastasse. A cobrança custará semanas ou meses de desentendimentos e acusações, conforme o fôlego que tiverem, e não consertará a relação.
Sei de uma jovem, bonita e decidida, que desistiu da relação com um rapaz complicado e se cansou de discuti-la. Para cortar a onda de porquês, fulminou-o:
— Porque virei gay! Aquilo encerrou a cobrança, deixou-o estupefato por muitos dias. E era mentira.
Por medo de uma cobrança insana, em que muitas vezes dói ver a ex-pessoa querida se humilhar, ou mesmo por covardia, muitos somem, após dizer que vão à esquina comprar cigarros. Outros saem para o trabalho e deixam um bilhete; alguns viajam e mandam uma carta. Cara a cara é mais difícil falar.
Há homens que não se conformam com a separação, perseguem a ex, ameaçam até bater em quem estiver com ela. Só guarda-costas ou psicanálise resolvem. Há também mulheres que não aceitam o fim, continuam a aparecer nos lugares que ele frequenta. São tristes casos mal resolvidos que talvez uma terapia de separação tivesse aliviado.
Boa parte da ficção moderna, dos romances, do teatro, das novelas, trata desse tema. Já não há o que dizer sobre isso, mas os autores insistem. Porque terminar um caso que durou algum tempo é separarmo-nos de uma parte de nós mesmos, da pessoa que fomos durante esse tempo e que vamos deixar para trás.