Policiais se organizam em grupos para buscar apoio espiritual
Para ajudarem a conviver com o stress, os cultos abordam os percalços específicos e inerentes à atividade policial
Com o violão nas mãos, o cantor gospel Anilson Coelho entoou cinco de suas composições, como “Servir e Adorar” e “Milagre do Amor”, a cerca de cinquenta pessoas no plenarinho da Câmara Municipal na manhã do último dia 12, um sábado. Seria mais um entre as centenas de encontros religiosos que ocorrem diariamente em São Paulo, não fosse por um detalhe: Coelho, assim como todos os demais presentes, é agente da Polícia Civil. Fundado há três anos pelo escrivão Artur Juliano e pelo delegado Luís Gabriel Garcia, o grupo Policiais de Jesus organiza reuniões para acalentar esses profissionais, com orações e pregações da Bíblia, pelos dramas que eles enfrentam. Conta com cerca de 100 seguidores, em torno de 0,3% dos 34.000 integrantes da força de segurança pública. Os cultos são realizados quase todos os dias em quatro departamentos da corporação; uma vez por mês, eles se juntam na Câmara.
Cida Souza
O cantor-agente Anilson Coelho: música gospel
Juliano havia tentado organizar a associação em três ocasiões nos últimos quinze anos, sem sucesso. “Faltava um delegado para comandar o projeto”, diz. Além do cargo, outros atributos do chefe colaboram para o sucesso da empreitada. Carismático, ele mescla os sermões com piadas e histórias pessoais. “Todos os dias sou procurado por colegas para ouvir seus problemas e dilemas”, conta. Apesar da naturalidade de sua oratória, o delegado converteu-se há apenas dez anos, após um divórcio conturbado. “Eu tinha preconceito, achava que os crentes eram apenas pessoas sem oportunidade ou perspectiva de vida.”
Um dos discípulos de Garcia é Nadivaldo de Rossi, delegado no 101° Distrito Policial, no Jardim das Embuias, na Zona Sul. Responsável pelo envio de e-mails com mensagens cristãs aos associados, ele tem frequentado as reuniões há dois meses em busca de paz espiritual. “Preciso do apoio para não me transformar em um ser humano truculento e impiedoso”, afirma. Alguns casos que chegam à delegacia causam impacto maior: há três semanas, Rossi começou a investigar a morte de uma menina de 4 meses no Grajaú. O principal suspeito é o pai, um usuário de drogas. “Às vezes, o grito de dor de uma mãe fica em nossa lembrança por muito tempo.”
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Para ajudarem a conviver com o stress, os cultos abordam os percalços específicos e inerentes à atividade policial. “Os agentes se sentem mais à vontade para conversar comigo sobre seus problemas porque eu também ando armado e lido com bandidos”, acredita Garcia. O trabalho é inspirado no de outra entidade, a PMs de Cristo, que reúne 1.470 associados e completa vinte anos de existência em junho. “Nosso sonho é que surjam grupos semelhantes também na Polícia Federal e na Guarda Municipal”, diz o cabo Valdir Alves, que prega no 28° Batalhão da PM e é pastor da Igreja Evangélica Cristã Presbiteriana. “Na religião, policiais civis e militares são irmãos, o que pode soar como heresia àqueles que enxergam as duas corporações como rivais”, afirma Garcia.
Jonne Roriz/AE
PMs de Cristo: vinte anos de atuação e 1.470 associados
Em outra vertente, a União dos Delegados Espíritas de São Paulo (Udesp) realiza um trabalho parecido, mas baseado nos preceitos do escritor Allan Kardec. “Nossa imagem está desgastada: as pessoas veem o policial como alguém que atira nos outros e que, por isso, não poderia ser espírita. Lutamos contra esse estigma”, explica Bismael de Moraes, um dos fundadores da Udesp, criada em 1999. “Nos encontros, não damos ‘passe’, só conversamos sobre como a doutrina pode ser aplicada para aliviar os dramas do cotidiano”, diz Moraes, apresentador do programa “Espiritismo e Segurança Pública”, veiculado semanalmente na Rádio Boa Nova.
Apesar da proliferação, movimentos desse tipo não são abençoados por especialistas no assunto. “Instituir uma religião em uma corporação representa séria ameaça ao estado laico”, entende o cientista político Guaracy Mingardi. Para ele, a interferência de crenças causaria prejuízo ao patrulhamento nas ruas. “Num exemplo hipotético, um policial pode resolver citar a ‘Bíblia’ ao intervir em uma briga de vizinhos para tentar converter os envolvidos. E isso seria inadmissível.” Os policiais que participam desses grupos, porém, afirmam que não confundem a cruz com a espada.
POLÍCIA E IGREJAAs associações religiosas das forças de segurança pública
PMs de CristoCorporação: Polícia MilitarLíder: Capitão Joel RochaTempo de existência: Vinte anosNúmero de integrantes: 1.470Frequência dos encontros: Diária
Policiais de Jesus
Corporação: Polícia CivilLíder: Delegado Luís Gabriel GarciaTempo de existência: Três anosNúmero de integrantes: CemFrequência dos encontros: Quatro vezes por semana
União dos Delegados Espíritas de SP
Corporação: Polícia Civil
Líder: Delegado João CruscaTempo de existência: Treze anosNúmero de integrantes: CinquentaFrequência dos encontros: Mensal