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Covid-19: tomar duas vacinas? Infectologista faz alerta

Nancy Bellei, da Universidade Federal de São Paulo, fala sobre os três imunizantes em estudo no Brasil

Por Agência Brasil
Atualizado em 23 Maio 2024, 10h07 - Publicado em 11 ago 2020, 14h11
 (Acácio Pinheiro/Agência Brasil/Veja SP)
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Três vacinas estão com testes em andamento no Brasil atualmente, após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a realização de estudos. Todas estão em fase avançada de testes, na chamada pesquisa clínica, ou seja, aplicação em humanos. São elas a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca, com testes feitos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); a Coronavac, parceria firmada entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac Biotech; e a do laboratório Pfizer.

O desenvolvimento de uma vacina ocorre em etapas. A primeira é a laboratorial, onde é feita a avaliação de qual a melhor composição para o produto. A segunda etapa, chamada de pré-clínica, é a de testes em animais. A terceira é a fase clínica, de testes em humanos. Se os testes forem satisfatórios, a vacina é submetida ao registro na agência regulatória. Mesmo após o registro, a vacina é monitorada no pós-mercado pela Anvisa.

Apesar de haver três opções de vacina em teste no país, a infectologista Nancy Bellei, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alerta que tomar mais de um tipo não significa que a pessoa ficará mais protegida contra a covid-19. “A pessoa vai tomar uma vacina, vamos aguardar os estudos e ver depois se há uma vacina melhor que a outra. A pessoa toma uma vacina só, não tem nenhuma que a gente recomenda tomar uma e outra. Ninguém sabe isso ainda sobre a vacina contra covid-19 e pode ser até pior.”

Nancy explica que há dois cenários considerados para os resultados das vacinas: o funcionamento delas por um período de tempo em médio prazo, em que funcionariam de forma semelhante à produção de anticorpos que se tem visto nas pessoas infectadas pela doença. O outro seria um resultado em longo prazo, ou seja, quanto essas vacinas vão ter um papel de estimular a imunidade celular – considerada permanente, assim como ocorre em doenças como o sarampo.

“A saída, em médio prazo, parece que é possível, porque essas vacinas induzem produção de anticorpo e aí boa parte das pessoas vacinadas estaria protegida, você diminui a cadeia de transmissão. Em longo prazo, o ideal é que essas vacinas pudessem ativar a imunidade celular, que seria a imunidade de memória, porque os títulos de anticorpos – quantidade presente – na infecção natural eles caem, então a gente precisa ter imunidade celular”, disse.

Segundo a médica, o que se conhece até o momento é que as pessoas que têm a infecção por covid-19 vão perdendo os anticorpos. “Há estudos mostrando que, em torno de 100 dias, perdemos o nível de anticorpos, só que não sabemos o quanto resta de imunidade celular que permite responder à nova infecção se a gente encontrar o vírus dali a algum tempo. Nós não sabemos isso ainda”, disse ao ressaltar que é uma doença nova e que houve pouco tempo para se desenvolver estudos.

“Quem já teve infecção, a gente não sabe se vai ter uma proteção em longo prazo, então muito menos ainda conseguimos antever se as vacinas vão ter esse papel e, se tiverem, por quanto tempo. Porque se elas não tiverem, vai ser como uma vacina de gripe, que você tem que dar toda hora de novo”.

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Imunidade celular x anticorpos

Nancy Bellei afirma que se as vacinas não tiverem a competência de ativar a imunidade celular, o problema não será resolvido em longo prazo. “É totalmente diferente, imunidade celular não é anticorpo, ela é a memória imunitária que a gente faz com algumas doenças: sarampo, caxumba, rubéola, catapora, que nunca mais a gente pega porque tem imunidade. Eu não sei o quanto essas vacinas vão estimular a imunidade celular para que a gente, se encontrar o vírus novamente, mesmo sem ter anticorpo, rapidamente o produza”.

De acordo com a infectologista, houve prova de imunidade celular em algumas vacinas, mas não se sabe na prática o quanto isso será aplicado. “Há alguns estudos com essas vacinas, mas não permitem dizer isso na prática, só depois de aplicar e ter os estudos”.

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Ela explica que a imunidade celular é resultado da ação de defesa de células que são ativadas quando chega um organismo estranho no corpo da pessoa. “É diferente da imunidade humoral, que são os anticorpos. Eles estão na circulação, independentemente de serem ativados. A imunidade celular é mais permanente, mais definitiva, e a imunidade humoral é definitiva se eu tenho imunidade celular. Se não, ela é transitória.”

CoronaVac

A vacina chamada de CoronaVac está em fase adiantada de testes, na terceira etapa, chamada clínica, de testagem em humanos. Na produção da CoronaVac, o novo coronavírus é introduzido em uma célula do tipo Vero, cultivada em laboratório. O vírus se multiplica e, no final, é inativado e incorporado à vacina que será aplicada na população. Com a aplicação da dose, o sistema imunológico passaria a produzir anticorpos contra o agente causador da covid-19.

O anúncio de produção da vacina pelo governo de São Paulo ocorreu em 11 de junho, após parceria firmada entre o Instituto Butantã e o laboratório chinês Sinovac Biotech. O investimento do Instituto Butantã nos estudos, na fase clínica, é de R$ 85 milhões.

“Nessa vacina, você vai ter todos os componentes do vírus. Então alguns advogam que com uma vacina desse tipo, haveria mais chance de ela ser mais imunogênica [maior capacidade de estimular uma resposta imunológica], já que você está oferecendo grande quantidade de proteínas diferentes que podem estimular o sistema imune”, disse a Nancy Bellei.

Ela acrescenta que as vacinas com vírus inteiros normalmente são mais reatogências, ou seja, causam mais reação. “Então, existe sempre essa discussão: você quer uma vacina que seja muito imunogênica, mas não quer que seja muito reatogência”. Segundo a médica, isso é o que ocorre em geral com vacinas desse tipo, e é preciso aguardar os resultados dos testes.

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A terceira etapa – os testes em humanos – é dividida em três fases. As fases 1 (inicial, que avalia se a vacina é segura) e 2 (que conta com maior quantidade de voluntários e avalia a eficácia do produto) já foram executadas na China, com sucesso. A Fase 3 dessa terceira etapa está sendo realizada no Brasil, com 9 mil voluntários de todo o país, e foi iniciada em São Paulo.

Caso os testes com esses 9 mil voluntários, na Fase 3, se mostrem positivos, a vacina entrará na etapa de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e então começará a ser produzida em larga escala. A expectativa do Instituto Butantã é de que a vacina poderá estar disponível para a população em junho de 2021, com fornecimento ao SUS, o Sistema Único da Saúde, de forma gratuita.

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O Butantã tem capacidade de produzir 1 milhão de vacinas por dia. As primeiras pessoas a serem vacinadas no Brasil devem ser aquelas dos grupos de maior risco, como idosos e/ou com comorbidades, ou seja, doenças pré-existentes.

Oxford

Desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca, essa vacina usa um vetor viral – baseado em um vírus modificado – que atinge chimpanzés, mas não humanos, ao qual é acrescida uma proteína que o novo coronavírus usa para invadir células, para induzir a produção de anticorpos — em vez de um vírus inativado. A vacina já está na Fase 3 dos ensaios clínicos, a última etapa de testes em seres humanos para determinar a segurança e eficácia.

Segundo Nancy, existem inúmeros trabalhos que determinam que a porção do vírus que estimula os anticorpos neutralizantes é a da proteína Spike – usada para penetrar nas células. “Para o vírus entrar na célula, ele tem que se ligar em um determinado ponto, que está na proteína S [Spike]. Vacinas que trabalham com a indução de proteína S, por meio de RNA mensageiro ou com o vetor de adenovírus – carreando um pedaço genético dessa proteína -, estimulariam diretamente a nossa produção de anticorpo neutralizante, que evitaria que o vírus se ligasse ao receptor.”

A infectologista afirma que, dessa forma, as vacinas seriam menos reatogênicas – causariam menos reações -, mas seriam mais específicas. “Se eventualmente o vírus tiver uma mutação nessa região da proteína Spike, no futuro uma vacina desse tipo teria que ser modificada, porque não mais reconheceríamos o vírus, por se tratar de uma região muito específica”, disse.

Para a realização do estudo clínico da vacina, foi firmado acordo entre a Universidade de Oxford e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em São Paulo, com a viabilização financeira da Fundação Lemann no custeio da infraestrutura médica e de equipamentos necessários, os testes tiveram início em 20 de junho. Em pouco mais de um mês, cerca de 1,7 mil voluntários, de um total de 2 mil a serem recrutados na capital paulista, já foram selecionados e tomaram a vacina.

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Segundo a Unifesp, o recrutamento continua e os voluntários estão sendo acompanhados de perto para que os pesquisadores monitorem a saúde deles, assim como segurança e eficácia da vacina. No Rio de Janeiro, serão 2 mil testados e, em Salvador, mais mil voluntários recrutados.

A expectativa é de que a vacina tenha seu dossiê de registro apresentado à Anvisa ainda neste ano. A partir daí, as doses produzidas serão disponibilizadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, para serem aplicadas na população.

Pfizer

No fim de julho, a Pfizer e a BioNTech anunciaram a escolha do Brasil como um dos locais para a fase clínica de seu programa de vacina à base de RNA mensageiro, o Projeto Lightspeed, contra o novo coronavírus. A Fase 2 dos testes clínicos – em humanos – está sendo conduzido em São Paulo, no Centro Paulista de Investigação Clínica, e na Bahia, na Instituição Obras Sociais Irmã Dulce.

As pesquisas baseiam-se em potenciais vacinas de RNA mensageiro (mRNA), produzido sinteticamente, que tem como objetivo estimular a produção de uma proteína semelhante ou idêntica à do vírus no organismo. Essa proteína deve ser capaz de estimular o sistema imune a produzir células de defesa, fazendo com que, quando a pessoa entrar em contato com o vírus, já tenha desenvolvido imunidade.

“Esse tipo de vacina a gente nunca utilizou. Nessa [vacina] de RNA mensageiro, haveria uma indução de a gente produzir essa proteína e aí o nosso sistema de anticorpos a reconheceria. Então a gente teria uma proteção. Mas essa é a vacina mais diferente de todas, é uma plataforma de vacina que nunca foi utilizada, então é mais difícil ainda antecipar vantagens e desvantagens”, disse a infectologista.

Nancy explica que essa vacina se assemelha à de Oxford porque trabalha com a indução de proteína, por meio de RNA mensageiro, e a outra pelo vetor de adenovírus. Ela avalia que ambas têm potencial para serem menos reatogênicas.

Segundo a Pfizer, diferentemente das vacinas convencionais, as vacinas de mRNA são potencialmente mais rápidas de serem produzidas. A expectativa é apresentar em outubro os resultados dos estudos para autoridades regulatórias de todo o mundo e, a partir daí, elas avaliarão como será feita a distribuição. A meta é produzir 100 milhões de doses neste ano e mais 1,3 bilhão em 2021.

Quarta vacina

O governo do Paraná firmou parceria de cooperação técnica e científica com a China para iniciar a testagem e a produção de outra vacina contra a covid-19 no estado, por meio do Instituto de Tecnologia (Tecpar). O termo de confidencialidade assinado com a empresa estatal chinesa Sinopharm possibilitará a realização da terceira fase de testes – aplicação em humanos – no Paraná. A expectativa é que o processo possa começar ainda neste mês de agosto.

O tipo de vacina a ser testado é a inativada e o prazo de fornecimento, caso os testes clínicos apresentem resultados satisfatórios, está previsto para o segundo semestre de 2021.

Governo federal

O governo federal assinou, na última quinta-feira (6), a medida provisória (MP) que abre crédito extraordinário de R$ 1,9 bilhão para viabilizar a produção e aquisição da vacina após a conclusão dos testes e registro na Anvisa. A transferência de tecnologia na formulação, envase e controle de qualidade da vacina será realizada por meio de um acordo da AstraZeneca com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde.

De acordo com o governo, embora seja baseada em nova tecnologia, essa plataforma já foi testada anteriormente para outras doenças, como, por exemplo, nos surtos de ebola e Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio, causada por outro tipo de coronavírus) e é semelhante a outras plataformas da Bio-Manguinhos/Fiocruz, o que facilita sua implantação em tempo reduzido.

Além disso, a Fiocruz recebeu R$ 100 milhões, em doação de um grupo de empresas, para investir no aprimoramento de suas instalações que serão usadas na produção da vacina da covid-19. A primeira etapa de adequação inclui a construção de um laboratório para controle de qualidade de 100 milhões de doses importadas da AstraZeneca, a partir de dezembro. A previsão é que a fábrica esteja totalmente concluída no início de 2021, quando será possível a incorporação total da tecnologia pelo Brasil e a realização de todo o processo de produção da vacina no local.

“A Fundação Lemann articulou a vinda dos testes da vacina de Oxford ao Brasil e financiou parte dos testes por entender a importância de o país ter acesso à vacina. Agora participa também da doação para a montagem da fábrica que possibilita a autonomia na produção. São passos importantes para garantir resposta ao enfrentamento da covid-19 e para oferecer à sociedade brasileira um legado público na área da saúde que irá beneficiar todo o país nesse e em outros desafios”, disse Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann.

Parte das instituições dessa coalizão também apoiará a construção de uma fábrica similar no Instituto Butantã, em São Paulo, que está testando a CoronaVac.

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