Chefs e bartenders de São Paulo difundem receitas pelo mundo
Esses profissionais também recebem na cidade colegas de países de culinárias pouco conhecida aqui assim como representantes de outras muito famosas
Em tempo de trocas digitais tão intensas, as fronteiras gastronômicas estão mais fluidas. Nota-se um reflexo dessa mudança em São Paulo, uma cidade cada vez mais cosmopolita no copo e no prato.
No ano passado, por exemplo, a chef Janaína Torres carimbou o passaporte dezesseis vezes e já soma mais de uma dezena em 2024. Ela esteve em vários destinos europeus e passou inclusive pelo Japão. Saiu espalhando a culinária brasileira que fazia n’A Casa do Porco, hoje no Bar da Dona Onça, ambos no Centro.
Na lista extensa de viagens, predominam países da América Latina: México, Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, República Dominicana, Porto Rico, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Paraguai, Argentina, Uruguai… “Só não estive em Honduras, Haiti e em algumas ilhas. Apresento a técnica brasileira para cozinhar com matérias-primas locais. É raro conseguir entrar com ingredientes. Por vezes, levo farinha de mandioca e tucupi.”
No evento Porco Mundi, realizado n’A Casa do Porco em 2022, recebeu dezenove colegas da América Latina, entre eles o peruano Mitsuharu Tsumura “Micha”, o chef do premiado Maido, em Lima. Neste ano, foi a vez de acolher cozinheiros da Espanha no mesmo evento.
A onda de visitas ao estrangeiro, hábito que outros chefs da cidade têm adquirido, não é exatamente nova, mas as viagens eram esporádicas e não tinham destinos como esses. O precursor contemporâneo foi Alex Atala, do D.O.M. e do Dalva e Dito, nos Jardins.
Depois que botou os pés na França e foi o primeiro chef brasileiro a dar aula na Le Cordon Bleu de Paris, num longínquo 1998, não parou mais. “Visitei quase o mundo inteiro. Dos países grandes, não fui cozinhar só na Índia e na China, mas fiz dois jantares em Hong Kong com outros chefs”, contabiliza. “É uma possibilidade de ver os chefs usando ingredientes e técnicas de uma forma que não se espera. Em Singapura, vi uma demi-glace de boi aromatizada com cascas de camarão tostado. Foi a primeira vez que vi essa combinação.”
Ex-auxiliar de Atala, o chef Pier Paolo Picchi passou dez anos na Itália. Ele costuma receber colegas com que trabalhou naquele período. O mais recente deles foi Ugo Alciati, do restaurante Guido.
Outra peculiaridade, no caso de restaurantes, é ver chefs europeus, em especial italianos, franceses e espanhóis, radicados aqui (aliás, isso acontece desde a época do império). Sim, esses profissionais continuam em postos de destaque, como Erick Jacquin, e são muito bem-vindos. Mas é perceptível, nesse panorama, uma presença mais expressiva de representantes de outros países latino-americanos. Sempre prevaleceram aqui apenas os vizinhos argentinos.
Não falta quem se lembre que o über chef Francis Mallmann desenhou o cardápio d’A Figueira Rubaiyat quase 25 anos atrás e revelou Paola Carosella, cujo restaurante Arturito, no Jardim Paulista, foi novamente premiado neste ano como o melhor da categoria variados.
Era difícil imaginar, entretanto, que um colombiano com formação no Peru pudesse despontar como um jovem talento da gastronomia paulistana e recebesse o título de chef revelação no ano passado. Hoje, Mario Panezo, reconhecido pelo trabalho que fazia no Feriae, em Pinheiros, nem está mais no restaurante. Mas não deixa de atuar nesse mercado efervescente. Neste momento, faz consultorias para bares — vai lançar um menu no Matiz, no Centro, campeão do título de melhor bar-balada, e vai estrear quatro pratos no Caso, em Pinheiros.
Outro chef em evidência pela qualidade do menu que desenvolve no Metzi, em Pinheiros, ao lado de Luana Sabino, sua ex-mulher, é o mexicano Eduardo Ortiz. Com ela, apresenta receitas de seu país com ingredientes brasileiros, num resultado que só merece aplausos. Até o mais destacado reality culinário colaborou na mudança desse cenário. Ganhadora da primeira edição do MasterChef Brasil, Elisa Fernandes, hoje à frente do premiado Clos Wine Bar, na Vila Madalena, fez carreira na França. Do outro lado do Atlântico, virou queridinha de ninguém menos que Alain Ducasse.
No universo das coqueteleiras, o agito internacional não é menor. Premiado como bar revelação, o Exímia, no Itaim Bibi, dos irmãos Gabriel e Nicholas Fullen, tem cozinha da paranaense Manu Buffara, que mantém um badalado restaurante com seu nome em Curitiba e promete abrir o Ella, em Nova York. Mas a grande atração ali são os drinques do premiado bartender Márcio Silva, também sócio. “O Exímia foi feito, de certa forma, também para mostrar o Brasil filtrado pelo Márcio aos gringos que vêm aqui”, vaticina o crítico de bares da Vejinha, Saulo Yassuda. É um veterano.
“Não só como bartender, mas trabalhando para a indústria da bebida como consultor, auditor, treinador, foram 88 países visitados”, conta o craque, que tem como formação o curso de engenharia química. “Tenho experiências incríveis em vários lugares, mas misturo muito a sutileza que encontrei em técnicas britânicas com a velocidade e delivery de americanos e o conhecimento de detalhes como o dos japoneses. Mas amo trabalhar na América Latina. É muito desafiador e é uma terra de oportunidades incríveis, com culturas incríveis.”
Outros embaixadores etílicos são Gabriel Santana (Santana Bar e Cordial) e Thiago Bañares (Tan Tan e The Liquor Store), que percorrem bares mundo afora, o que pode ajudar no desempenho nacional no ranking The World’s 50 Best Bars. Bartender do ano por VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER 2023, Lula Mascella, do Picco, em Pinheiros, passou uma temporada em Lisboa no bar Vago.
Quem caiu nas graças dos paulistanos e tem sua assinatura em vários bares da cidade é a argentina Chula, considerada pelo guia anual da Vejinha a número 1 em 2022. Cartas criadas por ela estão, por exemplo, no bar-restaurante Atlântico 212, em Pinheiros, finalista do prêmio de bar-revelação. Pode-se dizer que ela se fixou na cidade e vai lançar oficialmente sua empresa de consultoria, a Soledad, em novembro. Chula costuma dizer que falam que ela está em tudo, mas não é ela, é a empresa, tá?!
Nos endereços de comidinhas, não dá para esquecer a experiência de Arcelia Gallardo, americana de ascendência mexicana. A chocolatière do ano mudou-se para o Brasil para se aproximar de sua maior paixão, o cacau. Veio acompanhar de perto a produção e desenvolver barras não só com essa matéria-prima nacional, mas com outros ingredientes que são a cara do país na premiada Mission Chocolates, no Brooklin. Nessa seara do chocolate, vale lembrar que a Dengo possui duas lojas próprias em Paris. ■
Publicado em VEJA São Paulo de 06 de setembro de 2024, edição nº 2909.
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